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domingo, 17 de maio de 2015

"FOME" de Knut Hamsun


Compreendo que "Fome", do laureado norueguês com o prémio Nobel Knut Hamsun, publicado no distante ano de 1890, tenha provocado uma revolução literária na época onde na literatura se cruzavam as influências naturalistas de Zola e realistas de Balzac, pelo as questões sociais enquadravam as tramas da ficção, mas eis um romance onde protagonista, no início da sua carreira de escritor, opta por sobreviver com fome e tentar escrever artigos para os jornais na perspetiva destes os aceitarem e daí obter rendimentos que lhe permitam comprar o seu sustento e alojamento.
A fome passa então a ser a principal companheira do artista, que vai relatando a sua vagabundagem miserável pelas ruas de Kristiania (Oslo), descrevendo as suas sensações físicas fruto da sua carência, os contactos com personagens da cidade e, sobretudo, salientando a sua dignidade, onde se recusa a pedir ou a aceitar esmola ou até em ser beneficiado por um ato que considere manchar a sua dignidade, lutando pela preservação da sua honra e correção, embora por vezes se martirize por deixar-se cair em tentações e maldades. 
Assim a sua vida de fome por vezes é interrompida por algum trabalho aceite e pago, outras vezes quase desfalece por imperativo da fome, mas chama a si todas as culpas do seu mal, não há um juízo social, não há denúncias de imperfeições do sistema em que vive. São divertidas a sua forma de ironicamente perder as oportunidade de se alimentar no seu esforço de preservar a sua dignidade, mesmo com roupa por lavar e com falta de peças para completar o seu vestuário e no fim da obra, uma saída talvez surpreendente para quem acompanhou este homem de que nunca se chega a saber o seu verdadeiro nome. Gostei, é de fácil leitura e recomendo.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

"A condição humana" de André Malraux



"A Condição Humana" de André Malraux  foi um dos livros que mais dificuldade tive de ler nos últimos tempos, apesar de ter gostado da obra, bem como dos temas tratados.
O autor, através de reflexões colocadas pelas personagens no seio de uma guerra civil histórica, mostra a ação de diferentes tipos de lutadores comunistas em Xangai, que interagem com gestores de interesses económicos franceses e oportunistas que negoceiam a sua sobrevivência financeira no ambiente instável da implantação da república da década de 1920 na China e a sua tentativa de emancipação das potências ocidentais.
Surge assim uma série de quadros que decorrem ao longo de horas ou distanciados de dias, que se completam como num puzzle e no fim dão uma imagem multifacetada dos dilemas que se coloca ao idealista que luta (neste caso, literalmente) pelas suas ideias, põe em risco a sua vida e depois se sente traído face a um conjunto de interesses políticos e económicos da teia nacional e internacional. No meio da solidão a que o guerrilheiro se sente votado, no desespero e dúvida, para alcançar um fim, verifica, tal como Lampedusa escrevera, que foi carne para o canhão da mudança para tudo ficar na mesma. Uma fatalidade? Isto, para um idealista desiludido como eu, é um osso duro de roer.
Não li na língua original, mas numa tradução de Jorge de Sena, o que me leva a perguntar como será mesmo a escrita de Malraux: nesta versão há uma densidade de reflexões reunidas por uma floresta de vírgulas, ponto e vírgulas, dois pontos e parêntesis que muitas vezes me fizeram perder no emaranhado deste arvoredo de pontuação e de ideias. A maior dificuldade que senti foi mesmo adaptação ao forma do texto. Na verdade foram raras as páginas que não tive de voltar atrás para saber quem pensava o quê e o que pensava mesmo, mesmo assim, nem sempre fiquei convencido que estava a seguir o trilho certo. Apesar disto. Gostei da obra, das reflexões, do encontro de culturas e dos choque entre ideologia e a realidade.