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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

"O Plano Infinito" de Isabel Allende


O romance "O Plano Infinito" de Isabel Allende, já tem 25 anos, não se integra bem no realismo mágico que então se associava a esta escritora do Chile, embora este esteja presente. Relata a vida difícil, conturbada e por vezes desorientada e amoral do protagonista: Gregory Reeves, filho de imigrantes nos Estados Unidos - um pregador inicialmente ambulante de uma religião por ele inventada (O plano infinito) vindo da Austrália que por doença se fixa num bairro de latinoamericanos pobres da periferia de Los Angeles onde morre deixando-o órfão e a família dependente da ação social e duma russa que o repele - complementado pelos principais episódios de vida daqueles que se cruzaram com ele e foram marcantes na sua viagem da miséria até um posicionamento social médio a alto e fizeram caminhadas diferentes de sobrevivência, uns explorando a superstição e magia, outros o exótico e ainda outros sem nada de destaque ou igualmente esmagados pelas pressões da sociedade.
Por vezes o texto é escrito na terceira pessoa no que se refere à vida do protagonista, da sua família, amigos e inimigos, como também Gregory e as suas experiências, medos, ansiedades, aventuras e desnorte, inclusive no seu relacionamento com as restantes personagens da obra é exposto na primeira pessoa.
Uma vida que começou perto do final da II Grande Guerra e penetra na década de 1980, permitindo assim posicionar Gregory no mundo do racismo contra os latinoamericanos e negros dos anos 50, assistir à revolução social e moral dos anos 60 em Berkeley com o movimento hippie, a contestação política e participação na guerra do Vietname, lugar onde se encontram algumas das páginas mais densas da obra, e entrar na euforia e ganância capitalista dos tempos de Reagan com os choques dos que entretanto se perdem pelo caminho devido à droga, ao sexo e  aos desastres financeiros, bem como os sobreviventes à margem de tudo isto, mostrando a diversidade de estilos de vida na história da América durante quase meio século.
Apenas perto do final é que se faz uma reflexão mais profundo sobre as opções, oportunidades e desperdícios da vida, como um exame de consciência daquilo que fomos e porque o fomos até se encontrar o nosso lugar neste mundo. Uma obra bem escrita e acessível com momentos divertidos, outros deprimentes, mas a vida é assim mesmo.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

"Os jardins da memória" de Ohran Pamuk


A trama de "Os Jardins da Memória", do laureado com Nobel Ohran Pamuk (o título original traduzir-se-ia por "O livro negro"), é a investigação levada a cabo pelo protagonista para encontrar a sua mulher e prima, desaparecida voluntariamente, através de uma pesquisa que mergulha nas suas memórias familiares e nas pistas dos textos do cunhado/primo: um cronista famoso cujos escritos se centram na forma de sermos nós próprios, na busca da nossa verdadeira identidade baseado nos saberes esotéricos, místicos e histórias sobre a cidade de Istambul e do povo otomano.
O protagonista vai descobrindo que ele, como todos nós, frequentemente querermos incarnar o nosso ídolo, que somos parte de outros que nos influenciaram e cujas memórias - as flores do jardim do que somos nós próprios - mostram quanto mudamos e quanto o mundo muda nos nossos olhos com essa evolução. Tudo isto numa cidade cuja história sempre foi de transição entre a cultura oriental e ocidental, entre o islamismo e o cristianismo, entre a tradição e o modernismo e sem nunca saber qual a sua real identidade, tal como a Turquia, cuja história é narrada ao estilo de contos da sabedoria oriental.
O romance é interessante e o tema talvez não pudesse encontrar um melhor enquadramento geográfico e cultural que o da cidade de Istambul/Constantinopla/Bizâncio, todavia o livro não é de fácil leitura. Intercalando capítulos que são crónicas publicadas no jornal, enraizadas no saber esotérico e místico, que nos dão pistas para os outros que narram o drama que se vai desenrolando no interior do protagonista e na sua busca para encontrar a sua identidade, a sua esposa e o primo que se esconde, a obra origina um texto denso e cíclico como as ideias fixas sobre o tempo e as memórias em Proust, agravado pelas múltiplas referências culturais e históricas estranhas a um ocidental. Todavia fez-me ficar muito interessado em conhecer Istambul.
Um livro que é bom, mas cuja dificuldade leva a só o recomendar a quem gosta de ler obras que dão luta.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

"Crime e Castigo" de Fiódor Dostoiévski


"Crime e Castigo" de Fiódor Dostoiévski que acabei de ler é considerado uma das obras mais importantes da literatura mundial e de facto pela densidade psicológica, profundidade do tratamento das personagens, reflexões e conteúdo considero que é um dos romances mais marcantes que li até hoje.
A obra não começa com o crime, este só é feito após a exposição da situação de miséria económica do autor, da sua depressão psicológica e da reflexão sobre as condições que este estudante considera para justificar o assassinato. A partir de então começa uma espécie de thriller psicológico onde o próprio protagonista se tortura com a sua angústia da validade dos seus fundamentos, da necessidade de ajudar  outras personagens em dificuldades como compensação do seu ato e a sua discussão com os próprios elementos da justiça com uma argumentação para desviar a acusação, investigadores que lhe dão réplica contra-argumentando precisamente no campo da psicologia com que se debate o criminoso. Teremos então apenas um castigo psicológico autoinfligido que deixa pistas ou a descoberta e julgamento do criminoso?
Em paralelo há um desfilar de personagens, familiares, amigos, conhecidos e estranhos, com as mais diferentes  personalidades no campo da ética, moral e condições sociais, vítimas ou privilegiadas dos do sistema vigente que servem de contraponto no debate a todas as questões de princípio filosófico levantadas pelo estudante, nomeadamente se um crime pode ser um ato de justiça, de heroísmo e se todos estão sujeitos ao cumprimento da Lei.
Uma obra-prima interessantíssima, que pela sua profundidade pode não ser acessível a todos os leitores.Gostei muito.