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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

"A queda de um Anjo" de Camilo Castelo Branco


Terminei a leitura de "A queda de um anjo" de Camilo Castelo Branco, a primeira obra que me lembro de ler deste profícuo escritor português da época de Eça, e apesar de ainda integrada no seu período romântico é essencialmente uma sátira com uma crítica mordaz cheia de humor a um Portugal conservador e oportunista e à classe política.
Calisto Elói, um transmontano de Miranda, casado com uma prima para gerir um património elevado, é um quarentão erudito, de educação conservadora e dedicado aos clássicos da antiguidade de onde extrai uma moral rígida. É então proposto para candidato a deputado em Lisboa em defesa da terra, pois o incumbente no cargo nada faz pela região. Calisto é eleito e aí vem o provinciano para a capital. Apesar do choque com realidades urbanas, a sua retórica permite um sucesso nos debates contra mentes progressistas defensoras da cultura e torna-se numa referência na defesa da moral e do recato, até ao dia em que se apaixona e entra em confronto com tudo o que defendeu, enfrenta a luta de sua mulher para o reconquistar e serve de gáudio aos seus adversários.
Ao princípio o vocabulário rebuscado da obra criou-me dificuldades em entrar, mas o humor e ironia atravessa toda a obra e torna-se tão doce como um papo de anjo. Há aspetos que mudaram muito em Portugal desde o século XIX, mas a mudança de comportamento em Camilo vê-se ainda hoje e infelizmente é muitas vezes para pior e para ações bem menos honestas e divertidas. Gostei e diverti-me muito.

sábado, 25 de novembro de 2017

"Cândido ou o Optimismo" de Voltaire


Acabei de ler um dos mais famosos romances do pensador francês do tempo do Iluminismo no século XVIII: Voltaire e o seu "Cândido ou o Optimismo" numa edição da revista Visão que tem editado clássicos históricos da literatura mundial.
A obra é uma paródia, cheia de fantástico, ironias, sarcasmos e críticas às filosofias otimistas da época propagadas por Leibnitz. Goza com os conceitos do mal, moral e físico, e a razão suficiente para explicar a injustiça da sociedade europeia quando se dizia que o mundo estava a evoluir para o melhor pois criado por um Deus que nos quer bem. Em paralelo, lança farpas à tentativa da religião maniatar o pensamento das pessoas e a liberdade social, bem como ao absolutismo, escravatura, libertinagem, práticas abusivas dos cristãos, muçulmanos e outras questões polémicas de então.
Cândido, acolhido numa família nobre, assimila as filosofias otimistas do percetor do palácio, assiste a amores escondidos do pessoal, apaixona-se pela filha do anfitrião: Cunegundes, é apanhado e expulso para uma terra cheia de terror e injustiça, sem deixar de crer que está no melhor dos mundos e tudo se destina ao bem.
Segue-se então uma série acelerada de desaires, onde combate, é ferido, sobrevive, reencontra o percetor em desgraça e doente de luxúria que narra a morte de toda a família do palácio. Fogem para Lisboa apanham com o terramoto, são condenados pela inquisição para terminar o tremores, escapa sozinho e reencontra a sua amada morta que lhe conta a sobrevivência. Partem para Buenos Aires, perde de novo a sua amada para o governador. Chega a um Eldorado de indígenas perfeito, mas a paixão o faz querer sair e recuperar Cunegundes. Então riquíssimo sofre nova série de desventuras: reencontra gente que vira morrer, comerciantes ladrões, amigos oportunistas, padres lascivos, médicos charlatães, reis destronados, cai nas mãos de muçulmanos sem perder o otimismo e no fim percebe como alcançar o melhor dos mundos.
A obra está cheia de cenas mirabolantes, ridículas e divertidas, gente que morre mas depois sobreviveu, mitos fantásticos e pormenores históricos da realidade da época, cujas quase 200 notas em rodapé nos dão excelentes informações dos aspetos escondidos no simbolismo do texto.
Portugal é então o país mais rico da Europa, com um povo ignorante e dominado por um clero fanático e retrógado. Este País e as suas gentes têm um papel muito importante dada a sua magnificência na época. Gostei, mais ainda porque as notas complementam muito bem esta paródia fantástica e sem elas o livro perdia muito da sua atração e compreensão.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

"A Queda" de Albert Camus


Acabei de ler "A Queda" o último romance do francês Albert Camus, prémio Nobel da Literatura.
Num bar de Amesterdão um cliente habitual reconhece a entrada de um francês estranho ao local, um compatriota, e logo o interpela, apresenta-se, traduz-lhe o pedido de bebida e começa a narrar a sua vida desde o início da sua carreira de advogado brilhante em Paris, associada a um comportamento farisaico cheio de amor-próprio, sempre disposto a transmitir uma imagem de bondoso e altruísta, para ser admirado em sociedade, mas também com uma vida de conquista de mulheres, permitindo correr a sua fama, para se aproveitar do género feminino e ser plenamente admirado por todos, isto tudo até a sua vida dar uma grande volta e se tornar num juiz-penitente exilando na capital da Holanda, atividade que explica no fim do livro.
A obra é uma reflexão filosófica sobre a futilidade do estilo de vida em sociedade em torno da idealização da imagem pública de sucesso e a consciência do mal que praticamos enquanto se é pessoa de bem e se julga o outro.
O texto está brilhantemente escrito, cheio de força e ritmo. Todavia, a narrativa só não é um monólogo por sabermos pelos comentários do narrador o teor de algumas intervenções do outro ouvinte. Isto torna a linguagem típica de um falador que abafa qualquer outra voz. A técnica fez-me lembrar o romance "Cadernos do subterrâneo" de Dostoievsky, simplesmente agora é a tentativa de socializar e de se salientar em sociedade e não de ostracização e autoflagelação do protagonista no livro russo... pelo menos até à queda e conversão em juiz-penitente de Jean Baptiste Clemance.
Apesar de ser pequena esta obra e da força do texto, a partir de certo momento esta pode tornar-se cansativa, tal como quando ouvimos alguém que ininterruptamente não se cala, só que este fala-barato diz muito e desmonta a futilidade desta sociedade sem valor e corrompida farisaicamente pelo mal.

Dia da padroeira da Música uma linda obra de um compositor Português

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

"O Estranho caso caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde" de Robert Louis Stevenson


O livro "O Estranho caso caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde" do escocês Robert Louis Stevenson que acabei de ler é uma edição com três contos, onde o que dá nome ao livro tem a dimensão quase de uma novela e é talvez a obra mais famosa do autor. A capa no post é diferente da que li, pois a publicação que tenho não está à venda, mas a capa mostras contém precisamente à mesma coletânea.
Todas as histórias entram no domínio do gótico ou temas que exploram a aproximação de mortos, situações de quase terror, embora nestes relatos pareçam envolvidas pelo saber científico numa Inglaterra vitoriana. A primeira: "O furta-defuntos", baseia-se no problema ocorrido no Reino Unido no século XIX da comercialização ilegal de cadáveres para investigação médica, neste caso, além de encobrimento dos crimes, especula-se uma situação arrepiante que os traficantes terão enfrentado.
No segundo, "Olalla", um soldado ferido é acolhido numa família de montanha para recuperação, onde os anfitriões com um passado nobre sofreram degenerescência ao longo de séculos pelo mal que terão feito e o amor do hóspede por uma jovem fica refém dessa maldição. Uma forma regressiva de trazer para a literatura a teoria de evolução de Darwin, então tentar vencer na opinião pública.
A última história: "O Estranho caso caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde", que dá o nome ao livro, é uma referência na literatura, clássico do género gótico. Dr. Jekyll, um homem exemplar e benemérito, surge associado a um Sr. Hyde que além de assustar pela sua falta de humanidade, pratica um crime hediondo e parece protegido do doutor, sem se saber que motivações obscuras dão ascendente do execrável personagem ao bondoso doutor. Após se pensar estar numa situação de chantagem, descobre-se a explicação final que envolve a luta permanente entre o bem e mal no ser humano, as cedências a este e a curiosidade do cientista quando despreza a ética. Um magnífico conto que vai muito além de uma história de ficção, entrando sim no campo das reflexões sobre o comportamento das pessoas perante os desafios e as escolhas morais e éticas.
Uma escrita com parágrafos extensos característica das narrativas daquele período, com magníficas metáforas e outras figuras de estilo que deliciam o leitor. Gostei sobretudo do último conto: magnífico.

sábado, 18 de novembro de 2017

"Não digam que não temos Nada" de Madeleine Thien


"Não digam que não temos nada" de Madeleine Thien, é um livro que se arrisca a ser para mim o melhor romance contemporâneo que li ao longo do ano, dada a trama, o retrato histórico, a interligação com outras formas de arte como a poesia, a música e a caligrafia chinesa, e ainda pela elegante e bela escrita.
Este romance foi vencedor dos prémios literários: Governor General Prize 2016 (o mais reconhecido no Canada), Giller Prize 2016 e Edward Stanford Travel Writing 2017, e esteve na lista final do Man Booker Prize 2016, o que evidencia a excelência da obra desta escritora chino-canadiana.
O romance começa com as memórias de Marie do tempo da fuga do pai, em 1989, de casa em Vancouver, um importante pianista chinês e seu posterior suicídio. Prossegue com o pedido de acolhimento da uma refugiada Ai-ming após a revolta da praça Tianamen em Pequim. Então com as desconfianças entre a criança e a jovem, começa a descoberta do passado que as une, pela leitura do capítulo 17 do Livro dos Registos: obra do tio sonhador desta que narra de forma livre, romanceada e em volumes soltos, a história do seu amor e das dificuldades e aventuras da família desde a segunda guerra mundial até ao presente passando pelas várias revoltas na China. Assim, descobrimos que o pianista foi aluno e admirador do famoso compositor pai de Ai-ming e colega da violinista Zhulli filha do sonhador; um grupo unido pelo amor à música, à literatura e de livre pensamento com os riscos que daí decorrem no regime chinês.
Recorrendo à intercalações de momentos no presente e em vários do passado, assiste-se à saga de três gerações de músicos e amantes de livros e seus amigos face às perseguições injustificáveis na implantação do comunismo, depois nos loucos abusos da revolução cultural e, por fim, na revolta do sonho estudantil em Tianamen, sempre a abrir feridas com as mudanças do mesmo tema: simbolizado pelas Variações de Goldberg de Bach e onde depois de rearranjos a ária inicial volta como um fadado regresso ao passado.
O romance está cheio de citações de poetas chineses, de referências a obras musicais do ocidente com destaque para Bach, Chostakovitch, Prokofiev, Tchaikovsky e Ravel, entre outros e a atmosfera de ternura e da importância da arte, incluindo a caligrafia do chinesa, atravessa toda a obra mesmo nos períodos mais duros desta história. Magnífico romance, com um relato de 70 anos da história da China embora possa ser um pouco difícil para quem não conheça as características das peças musicais tão abundantemente citadas, como esta do vídeo e com a referência precisa desta gravação.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

"A Mãe" de Maksim Gorki


"A Mãe" de Gorki é um romance que tem como inspiração uma perseguição real movida aos organizadores de uma manifestação do 1.º de Maio ainda na Rússia czarista no início do século XX e julgamento dos seus líderes, para assim apresentar o movimento clandestino de divulgação das ideias de luta de classes no seio dos operários fabris e dos agricultores (mujiques) através de uma rede de fornecimento de livros e jornais proibidos.
A obra centra-se numa mulher de meia-idade que depois de uma vida vítima de violência doméstica por marido alcoólico e frustrado devido ao trabalho, fica viúva e descobre no filho uma conversão à leitura, aos ideais revolucionários e participação num célula clandestina que progressivamente ela vai conhecendo e aderindo para se tornar numa importante ativista, onde descobre um conjunto de pessoas exemplares que agem na sombra ou até são presas sem nunca desistir.
A obra é marcadamente ideológica, raramente esta é dita de socialista e nunca comunista, a ideia é apresentada como a "verdade" e ou se está com esta ou com as forças opressoras que defendem os ricos capazes de tudo para a posse de bens.
O romance está bem escrito por vezes com uma frieza narrativa temperada de metáforas do neorrealismo e da propaganda. Há momentos onde as emoções da grande dureza das forças do Estado e o sacrifício dos oprimidos é intensamente explorada em contrapeso com o facto de no grupo os sentimentos serem abandonados em prol da causa que defendem, onde não pode haver sujeição ao amor, nem ao familiar.
Sendo uma obra anterior à instalação do comunismo na Rússia não se pode dizer que a esperança assumida pelo romance nesta causa que leva a justiça aos mais fracos omitiu o que de negro possa ter havido quando o regime foi depois posto em prática, revolução que faz hoje, por coincidência, precisamente 100 anos. Apesar do carácter propagandista gostei do romance e é de muito fácil leitura.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

"História do Mundo" de Andrew Marr



Eis um livro fora do campo da ficção, área que tem prevalecido neste blogue. "História do Mundo" de Andrew Marr é uma exposição da evolução da humanidade.
Começa com aquela Eva (não a bíblica, embora também aqui se especule) que acompanhou a primeira migração da humanidade para fora do berço africano que levou à expansão da espécie com os genes daquela mãe por todos os continentes da Terra.
Prossegue com o surgir da agricultura, das primeiras cidades como sociedades  organizadas e o surgir de civilizações em todos os cantos do planeta, descreve muitas suas características marcantes.
A seguir entra-se mais num rol de líderes de povos que foram desde heróis humanitários até agentes de terror, mas que moldaram o mundo global atual e termina com pormenores menos conhecidos do próprio século XX e volta a especular a partir de tendências de hoje em dia.
Não é um livro só com uma visão ocidentalista da história global. Nós somos frutos da miscigenação das culturas asiática, médio oriente e mediterrâneo, como Chinesa, Mongol, Indiana, Egípcia, Judia, Fenícia, Grega, Romana, Portuguesa, Espanhola Inglesa e Holandesa, etc. que deixaram marcas muito fortes à escala planetária, mas também somos resultado de civilizações quase esquecidas:  Etíope, Mali, Inca, Azteca e até de Aborígenes.
Houve guerreiros heróis pelas suas vitórias que espalharam o terror como Gengis Khan, Ivan o Terrível e derrotados que estiveram mais próximo de vencer do que de perder: Napoleão ou Hítler, mas é deste resultado final que se fala, mas também há heróis que venceram pela paz como Ghandi
Houve revoluções que para semear a justiça que cultivaram a injustiça e povos que se fecharam ao mundo e depois se abriram como o Japão que influencia o presente à escala global.
Houve gente que lutou pela igualdade e outros que apostaram na escravatura, mas que deu melhores condições que alguns que usaram pessoas livres na revolução industrial e neste confronto houve nações que o mundo ostracizou como o Haiti e outras que foram espoliadas de todo.
Há líderes megalómanos por orgulho e por amor, pessoas de onde brotaram religiões que ora libertam, ora escravizam e por vezes semeiam o amor, noutros o ódio.
O livro é uma história do mundo cheia de pessoas, informações, curiosidades, acidentes e incidentes que moldaram a Humanidade para quem gosta de saber como chegámos até ao presente não se limitando a uma visão ocidental.