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sábado, 18 de novembro de 2017

"Não digam que não temos Nada" de Madeleine Thien


"Não digam que não temos nada" de Madeleine Thien, é um livro que se arrisca a ser para mim o melhor romance contemporâneo que li ao longo do ano, dada a trama, o retrato histórico, a interligação com outras formas de arte como a poesia, a música e a caligrafia chinesa, e ainda pela elegante e bela escrita.
Este romance foi vencedor dos prémios literários: Governor General Prize 2016 (o mais reconhecido no Canada), Giller Prize 2016 e Edward Stanford Travel Writing 2017, e esteve na lista final do Man Booker Prize 2016, o que evidencia a excelência da obra desta escritora chino-canadiana.
O romance começa com as memórias de Marie do tempo da fuga do pai, em 1989, de casa em Vancouver, um importante pianista chinês e seu posterior suicídio. Prossegue com o pedido de acolhimento da uma refugiada Ai-ming após a revolta da praça Tianamen em Pequim. Então com as desconfianças entre a criança e a jovem, começa a descoberta do passado que as une, pela leitura do capítulo 17 do Livro dos Registos: obra do tio sonhador desta que narra de forma livre, romanceada e em volumes soltos, a história do seu amor e das dificuldades e aventuras da família desde a segunda guerra mundial até ao presente passando pelas várias revoltas na China. Assim, descobrimos que o pianista foi aluno e admirador do famoso compositor pai de Ai-ming e colega da violinista Zhulli filha do sonhador; um grupo unido pelo amor à música, à literatura e de livre pensamento com os riscos que daí decorrem no regime chinês.
Recorrendo à intercalações de momentos no presente e em vários do passado, assiste-se à saga de três gerações de músicos e amantes de livros e seus amigos face às perseguições injustificáveis na implantação do comunismo, depois nos loucos abusos da revolução cultural e, por fim, na revolta do sonho estudantil em Tianamen, sempre a abrir feridas com as mudanças do mesmo tema: simbolizado pelas Variações de Goldberg de Bach e onde depois de rearranjos a ária inicial volta como um fadado regresso ao passado.
O romance está cheio de citações de poetas chineses, de referências a obras musicais do ocidente com destaque para Bach, Chostakovitch, Prokofiev, Tchaikovsky e Ravel, entre outros e a atmosfera de ternura e da importância da arte, incluindo a caligrafia do chinesa, atravessa toda a obra mesmo nos períodos mais duros desta história. Magnífico romance, com um relato de 70 anos da história da China embora possa ser um pouco difícil para quem não conheça as características das peças musicais tão abundantemente citadas, como esta do vídeo e com a referência precisa desta gravação.

7 comentários:

Pedrita disse...

nossa, tudo isso e eu não conhecia. anotadíssimo. beijos, pedrita

Carlos Faria disse...

Normal que não conhecesse, eu também não e não fora estar atento a escritores premiados Canadianos e um amigo me ter falado do livro eu não o teria comprado. Por vezes é assim, somos agradavelmente surpreendidos.

ematejoca disse...

Nunca tinha ouvido falar desta escritora. Vou ver se o romance já está traduzido para alemão

Guardo o CD do pianista canadiano, que é uma gravação histórica, como uma relíquia.

Kelly Oliveira Barbosa disse...

Como estive acompanhando suas leituras do decorrer do ano, sei que esse elogio de "melhor contemporâneo" tem muito peso para ti.

Sinceramente a temática não despertou meu interesse...

Estou lendo Liberdade do Franzen, gostando muito até então... devo dar mais atenção aos escritores do nosso tempo daqui para frente.

Abs.

Carlos Faria disse...

Ematejoca
Sim, é a gravação que o tornou mundialmente famoso e se tornou num marco global nas interpretações de Bach, mas o livro está cheio de referências a obras e gravações fundamentais.

Kelly
O livro de facto para quem não tem gosto por música erudita pode perder-se um pouco nas referências mas a trama é de uma grande genialidade.

DIARIOS IONAH disse...

EITA! EU QUERO. Vou procurar aqui no Brasil, Rio de Janeiro. Obrigada. Adoro as suas resenhas....

Carlos Faria disse...

Se gosta de música ainda gostará mais do livro e se não conhece algumas das obras recomendo que as vá ouvindo após uma pesquisa na internet, por exemplo Tzigane de Ravel que foi a que estive na dúvida de colocar no lugar destas variações.